Resenha

Cães de Aluguel

Por Lara Mateus

“Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino, conta a história de um grupo de homens que não se conhecem, sequer sabem o nome verdadeiro um do outro (com exceção de um) e se unem para roubar uma joalheria. O plano fracassa, uns morrem, outro fica ferido e toda a “ação” se desenrola a partir daí, que é o início do filme.

A película desconstrói o filme de gângster, mesmo não sendo um filme de gênero. Há uma forte presença da cultura popular massiva através dos personagens, que citam, por exemplo, Madonna, o que contrasta com o fato deles serem assaltantes, mostrando que, como diz Beatriz Jaguaribe: “A realidade tornou-se mediada pelos meios de comunicação e os imaginários ficcionais e visuais fornecem os enredos e imagens com os quais construímos nossa subjetividade”. Na obra, todo o elenco é contemplado de forma igual e o uso dos planos longos não permite a glamourização do filme. Há que se destacar a relação entre o que está acontecendo na obra e a música, que é da década de 70.

O filme aborda, ainda, a questão da violência de outra forma, buscando fugir de clichês que a tratam de forma espetaculosa, como, por exemplo, na cena do assalto, na qual, ficamos sabendo depois, ocorre um “banho de sangue”: nada vemos, só ouvimos o relato de como foi. O mesmo ocorre na cena em que o policial é torturado; o ato de violência física propriamente dita contra o policial nós não vemos. O que, por outro lado, acontece aos montes em filmes como “Tropa de Elite”: quem não se lembra da cena do saco asfixiando uma mulher e da cena do viciado de classe média apanhando do Capitão Nascimento?

Ainda que não escancare a violência, o filme possui intensidade dramática e, diferentemente do estilo videoclipe de filmes como “A Identidade Bourne”, o “Cães” tem um plano alongado que prima pelo momento do corpo sofrendo a dor, como na cena inicial, longuíssima, do cara se esvaindo em sangue, no banco do carro.

O mais interessante no filme é que, mesmo que se tenha uma idéia de que o mal está disseminado, já que não há moral e ética, só para com o grupo, não há a distribuição de juízos de valor como “bom ou mau”. E o diálogo que se estabelece com a indústria da violência, como já foi dito, é diferenciado: a idéia de crueldade é trabalhada não só através do que é mostrado; afinal, muitas vezes, o pior é o que não é revelado explicitamente.


Textos Consultados:

ZIZEK, Slavoj. “Paixões do real, paixões do semblante”, in: Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo, Boitempo, 2003.

JAGUARIBE, Beatriz. “Modernidade Cultural e Estéticas do Realismo”, in: O Choque do Real. Rio de Janeiro, Rocco, 2007.

ISHAGHPOUR, Youssef. O Real, Cara e Coroa. São Paulo, Cosac e Naify, 2004.

SCHOLLHAMER, Karl Erik. “O Espetáculo e a Demanda do Real”, in: HERSCHMANN, Micael e FREIRE, João (orgs.). Comunicação, Cultura e Consumo. Rio de Janeiro, E-papers, 2005.

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