Resenha

Através das Oliveiras

Por Lara Mateus

“Através das Oliveiras”, de Abbas Kiarostami, acompanha um diretor de cinema e sua equipe durante o processo de escolha de seus atores (que não são atores nem no filme fictício, nem no “real”) e durante as gravações, focando os “conflitos” e questões resultantes desse momento de interação entre as pessoas envolvidas. Abbas filma no lugar real, onde aconteceu o fato abordado que está sendo desenvolvido no filme, com a luz e com as condições naturais do ambiente. Em “Através das Oliveiras”, o diretor realiza a junção da realidade com a ficção: trata-se de um filme sobre a realização de um filme ligado a um fato real, com atores atuando no filme fictício e no “real” que retratam a realidade. Até porque, como salienta Ishaghpour, o filme se relaciona com outros três filmes de Abbas, criando o que ele classifica como “efeito de circulação”.

O filme exalta o banal, o cotidiano, fornecendo a este um olhar diferenciado (Ishaghpour: 105) que, em geral, a correria da vida urbana moderna não permite. O filme é um registro de realidades simples e pessoas comuns, e mostra, portanto, uma realidade diferente da trabalhada pelo governo iraniano ou pelos meios de comunicação, como afirma Ishaghpour. No filme, fica claro que o que o diretor quer é “ajudar as realidades simples e escondidas a aparecerem”, e não julgar atos ou costumes: ele não julga o fato da personagem da menina não querer falar com o garoto porque ele é analfabeto e não tem casa. Não há classificação em bom ou mau entre os personagens.

As paisagens exuberantes e vastamente exploradas demonstram a importância que Abbas sempre conferiu a ela. Aqui, ela não é encarada como mero pano de fundo; ela exprime profundidade de campo. E vem aliada ao som, usado de maneira a conferir profundidade à imagem, como frisa Ishaghpour: “o som confere profundidade à imagem, uma terceira dimensão. O som preenche as lacunas da imagem. [...] Um plano não seria completo sem seu próprio som”. E, por ter essa visão do teor de tridimensionalidade que o som pode fornecer à imagem, é que ele usa, sempre que necessário, a mixagem dos diálogos.

Os personagens são, em sua maioria, camponeses e são representados como parte inerente da natureza que os circunda. Porém, ao ser inserido o olhar citadino do “falso diretor”, eles adquirem uma ótica cômica, como na cena do pensamento de Hossein sobre por que deve ficar com a menina alfabetizada, ao invés da analfabeta.

Deve-se ressaltar, ainda, a importância dos diálogos no filme. Estes foram construídos pelo diretor e por seus não-atores e é por meio deles que o espectador passa a conhecer os personagens. É no diálogo que eles se revelam. Além disso, a narrativa é “posta de lado”, em detrimento das situações, e, para se ter a noção de “tempo real”, será utilizado, à exaustão, o plano-sequência. Por fim, o filme apresenta-se como uma saída ao excesso de imagens e simulacro.


Textos Consultados:

ZIZEK, Slavoj. “Paixões do real, paixões do semblante”, in: Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo, Boitempo, 2003.

JAGUARIBE, Beatriz. “Modernidade Cultural e Estéticas do Realismo”, in: O Choque do Real. Rio de Janeiro, Rocco, 2007.

ISHAGHPOUR, Youssef. O Real, Cara e Coroa. São Paulo, Cosac e Naify, 2004.

SCHOLLHAMER, Karl Erik. “O Espetáculo e a Demanda do Real”, in: HERSCHMANN, Micael e FREIRE, João (orgs.). Comunicação, Cultura e Consumo. Rio de Janeiro, E-papers, 2005.

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