Crônica














"O Escafandro e Eu"

Por Carolina Pádua

Reclamar da vida é uma prática comum à maioria das pessoas. Nada está 100% bom. O pior é que muita gente se lamenta mesmo quando os motivos para ser feliz se aproximam dos 90%. O filme “O Escafandro e a Borboleta”, do cineasta Julian Schnabel é um tratamento de choque para aqueles que se deprimem por pouco. O filme conta a história de Jean-Dominique Bauby, o editor da revista Elle que tem um derrame cerebral aos 43 anos e se vê trancado em seu próprio corpo. O filme narra a história do ponto de vista do editor. É fascinante e ao mesmo tempo extremamente incômodo passar os 112 minutos do filme se sentindo dentro de um aquário sem a possibilidade de interagir com o mundo que o filme apresenta.

As sequelas do derrame de Jean-Dominique o deixaram aparentemente envolto em um casulo. Completamente lúcido e mentalmente ativo, teve seus movimentos restritos ao piscar do olho esquerdo. O “Escafandro e a borboleta” expressa a indignação inicial de Bauby, mas aos poucos essa revolta se mescla com uma vontade de continuar vivendo e contar às pessoas o que estava acontecendo com ele. Passagens hilárias mostram como o famoso editor não perdeu completamente seu humor mesmo estando condenado a uma doença incurável e “aprisionante”. Até mesmo quem assiste ao filme fica indignado com o humor negro de dois técnicos que vão ao quarto de Bauby instalar um telefone e brincam dizendo que ele faria ligações anônimas com o novo equipamento. Mas o que surpreende e encanta é a divertida gargalhada do editor que se ouve nessa cena.

O filme é inteiro conduzido do ponto de uma vista dele e o que ele pensa é narrado em off pelo ator Mathieu Amalric, personagem principal da obra. Dessa forma o personagem se comunica muito bem com os espectadores, mas sua única forma de falar com outros personagens do filme era piscar o olho na hora em que sua acompanhante falava uma letra e, dessa forma, formar palavras. Quanta demora. O imediatismo da sociedade contemporânea faz com que não consigamos mais pensar em uma comunicação lenta. E S A R I N T U L, e ele pisca escolhendo a última letra. A comunicação é feita em silêncio e sem gesticulações. Como assim?
Para dizer “sim” para alguém ele somente tinha como opção piscar seu olho uma vez. Não poderia dar um sorriso nem exprimir doçura no tom de voz. Da mesma forma, dizer “não” para algo já não tinha mais emoção. Como expressar raiva ou indignação piscando o olho duas vezes? As dores são dificilmente noticiadas, as angústias são lentamente compartilhadas e manifestações de humor já não existem. As limitações vão muito além do “não tenho dinheiro para fazer tal coisa” ou “meu chefe não me deixa trabalhar como eu gostaria”.
As pessoas se revoltam por pouco. Não é desmerecer o sofrimento de ninguém. Cada um sabe da dor que sente, mas o problema de muitas pessoas é achar que o seu drama é o pior e que ninguém mais no mundo sofre como elas. Minha avó é um exemplo disso. Sempre foi muito ativa e viajou o mundo inteiro após se aposentar. Aos 71 anos ela, assim como Bauby, teve um derrame, mas continua podendo reclamar de seus problemas para todo mundo. Se lamenta incessantemente e acredita realmente ter sido injustiçada por Deus por não merecer tal destino. E quem o merece?

Muita gente não consegue ver o que tem, reparando apenas no que falta. Meu objetivo está longe de ser dar qualquer lição de moral. Pelo contrário. Eu mesma já me peguei por inúmeras vezes me achando a mais infeliz das criaturas, mas esse filme me fez pensar. Pensar no que sou e no que conquistei; nas pessoas com que convivo e na tendência delas de pensar negativamente. Acredito que além de começar a pensar no problema dos outros e compará-los com os nossos, devemos investir na nossa felicidade e começar a ver que um copo está meio cheio e não meio vazio. Ver o filme, pelo menos já é um ponto de partida para essa reflexão.

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