Crônica

Olhares

Por Priscilla Prestes

Todos os dias são sempre iguais. Acordo às 5:30, com muita relutância a respeito do sono mal dormido que teima em atormentar minhas manhãs. Até me acostumar com a idéia de que não adianta prolongar o sofrimento do sonho que poderia ser processado em mais 10 ou 15 minutos na cama, com o meu cobertor, mais aquele cheiro de preguiça que o travesseiro emana com tamanha crueldade, pois essa pequena dispersão do meu cronômetro mental, físico e, diga-se, necessário de ser pensado, acabaria por atrasar minha crônica diária.

Banho, café, luta para achar a vestimenta ideal que o dia demanda, perdida num guarda-roupa escuro, fundo, cheio de remendados e de vestidos que colocariam qualquer moreninha de Joaquim Manuel de Macedo em posição mais antenada - quase me esqueci que o retrô está na moda - quando, após escavar baús e alguns colares herdados da vovó, encontro finalmente meu pequeno tesouro. Tira, bota a roupa, na verdade são muitos tesouros, nem todos tão cabíveis ao cenário, onde o escolhido será incorporado, a faculdade.

Ao meu destino, chego atrasada - trânsito terrível, Ponte Rio-Niterói engarrafada: possibilidade de recuperar as horas de sono perdidas – o bom dia à classe soa mais como um pedido de desculpas. Aulas, teorias, anotações, intervalo. Fui ao toalete, o rosto com água fria lavei, na esperança de cortar o sono que não passava. Em seguida, com expectativa de ao secá-lo, não enxergar mais nenhum embaçado ou quaisquer propriedade visual que me retorne a posição de sonhadora, olhei exasperada e profundamente para o espelho. “Nossa, que olhar cinematográfico, o utilizaria num filme meu”. Só pude rir.
Desconheço a função do artista, não sei até que ponto seu compromisso com o real ou suas experiências diárias constituem a vontade progenitora de sua obra, mas aquela situação me deixou intrigada.

Vivemos correndo atrás do que achamos belo, sensato, coerente à nossa interpretação ou mesmo divergente ao que estimamos ser errado. Preto e branco; belo e feio; bom e ruim; bem e mal; e por aí vai a lógica binária do simulacro de nós mesmos. Estamos sempre lidando ou executando posturas e ações que discernimos serem coincidentes a pessoa que julgamos ser, a que formamos, ou destacando o contrário do que detestamos.

Coexistir com esse ideal, não seria um sonho? Uma eterna busca? Uma reprodução artística?
Com uma realidade cheia de ficção, esta pede licença e dá adeus ao estereótipo... Quem sabe com a produção do irreal sem formas, livre de julgamentos e comparações, o cotidiano se torne múltiplo, plural e, por isso, real.

Toca o despertador, lá se foram meus 15 minutos de acréscimo...Foi um sonho? Foi real? Ou teria sido arte?

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